sexta-feira, 30 de julho de 2010

DESCLASSIFICADOS E DESPOSSUÍDOS
Comentários sobre a pobreza na Bahia do século XIX




Cláudia Coelho
Hermas Caiuby







Estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU) informam que existem, nos dois hemisférios do mundo, 1 bilhão de mendigos e 500 milhões de pessoas no limiar da miséria absoluta. Metade da população mundial não tem acesso a água potável e 14 milhões de pessoas por ano morrem de fome.
A globalização ocorrida nos séculos XX e XXI trouxe também a globalização da pobreza. E isso não é monopólio dos países do terceiro mundo e emergentes pois os números são tanto dos países do Norte como do Sul do globo terrestre.
Nunca conseguiu-se a erradicação da pobreza no mundo. Altos e baixos ocorreram eventualmente, mas a complicação é de que trata-se de um problema cultural e estrutural vindo dos mais remotos tempos da humanidade.
Desde que foi inventada (ou descoberta) a agricultura, o ser humano passou da caça, pesca e coleta de produtos da natureza para o trabalho coletivo na lavoura apenas para subsistência. As desigualdades e injustiças apareceram a partir do momento em que começaram a ocorrer excedentes de produção e o surgimento do escambo entre comunidades diferentes. O armazenamento desses excedentes acabaram por privilegiar alguns que utilizavam-se de motivos religiosos como justificativa.
A situação progrediu mais ainda quando alguém resolveu cercar uma determinada área agrícola e afirmar que pertencia a ele e os outros aceitaram, surgindo a propriedade privada. A partir de então passamos para a exploração do trabalho pelo capital com o poder das classes dominantes em todas as civilizações da história.
Após a Revolução Industrial com suas alterações marcantes na sociedade e a urbanização desenfreada, crescia na Europa e nos Estados Unidos a noção de igualdade de direitos e a preocupação com a pobreza e medidas para saná-la. Enquanto isso, no Brasil, o sistema ainda era o escravagista, sem preocupação alguma com os desvalidos existentes.
“Ninguém parece ter pensado, no Brasil do século XIX, em criar leis e instituições para ajudar aos pobres, como se tentou fazer na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Uma possível razão foi que o Brasil não assistiu aos grandes deslocamentos, destruição de postos de trabalho e explosão populacional que acompanharam a revolução industrial na Europa, nem as grandes maciças que inundaram os Estados Unidos naqueles anos, e que acabaram sensibilizando os ricos e remediados. A pobreza brasileira no século passado não era muito diferente da pobreza dos séculos anteriores, e nossas elites tampouco eram muito distintas.”

Kátia Mattoso presume que, em 1808, na Bahia existiam 118 mil negros e mulatos escravos e 144 mil negros e mulatos livres, numa população de 356 mil habitantes. Pelo censo de 1872, negros e mulatos escravos contavam 167 mil, negros e mulatos livres 830 mil, numa população de 1.380 mil habitantes. Já o senador Joaquim Floriano de Godoy pesquisou, em 1875, chegando a negros e mulatos escravos 82.957, negros e mulatos livres 376.548 e desocupados 526.528. (SCHWARTZMAN, 2004).
Conhecendo-se o que hoje ocorre, poderemos entender melhor as épocas anteriores e, por ser o nosso enfoque a Bahia do século XIX vamos notar que, em Salvador, na cidade velha, a paisagem é a mesma, o que mudou foi o espaço, como diria Milton Santos. Fraga, em sua obra, traça um mapa da mendicância e da vadiagem que continua o mesmo.
A mendicância e a vadiagem foram consequência do sistema escravagista, o qual não tinha lugar para livres e libertos. A mão de obra escrava ocupava todos os postos onde o trabalho braçal era coisa indigna. Noventa por cento da população de Salvador no século XIX vivia na indigência.

“Não havendo na cidade a possibilidade de retirar da natureza a subsistência, tendo que se sujeitar ao mercado de trabalho a à produção artesanal e manufatureira, as leis que regem esse complexo marcado pelo escravismo, relegam o excedente da força de trabalho ao parasitismo e à dependência ou indigência, sem deixar de contemplar substanivamente a marginalidade.”

A propriedade de escravos era muito facilitada. Pessoas pobres das mais diversas atividades possuíam pelo menos um. Até mendigos e mesmo escravos (LAPA, 2008).
A mendicância e a vadiagem eram exercidas por aqueles que não desejavam se sujeitar a um senhor, mesmo não sendo escravos, mas em padrões semelhantes aos de um escravo. Isso era humilhação demais para eles. Outros por falta de emprego, especialmente nos diversos momentos de crises econômicas. Estas ocorreram com muita frequência e também trouxeram carestia e fome, ocasionando rebeliões de desempregados estigmatizados como vadios.
Os pobres eram controlados e obrigados a se submeterem a um regime de disciplina ao trabalho. Deveriam seguir os preceitos morais e comportamentos convenientemente determinados pelos senhores dominantes, para que tivessem algum préstimo no sistema vigente.
Em uma sociedade eminentemente católica, apesar da confrontação por razões comportamentais, os mendigos eram tolerados. A esmola era estimulada como forma de praticar a caridade necessária para obter a salvação.
Dessa forma, os mendigos eram necessários para a sociedade. O que já não acontecia com os vadios. A diferença é que tornavam-se mendigos os idosos, doentes, cegos e deficientes físicos sem condições de trabalhar. Além de muitos espertalhões astutos usando disfarces. A maioria era de escravos abandonados pelos senhores que não queriam ter despesas médicas com eles ou porque pela idade já não produziam.
Os vadios eram pessoas produtivas mas eventualmente sem emprego, como marinheiros aguardando barcos no porto para os contratarem ou pescadores fora de época de pesca. Também havia, evidentemente, os que não queriam saber de nada mesmo.
A polícia cadastrava e controlava toda essa gente. Tratava-se de perigo para a sociedade. O número de mendigos, vadios e moleques de rua em Salvador e nas cidades do Recôncavo era assustador. Eles formavam a maioria. Uma massa de pessoas que compunham a população. Os “bem nascidos” e as “pessoas de bem” constituíam parcela mínima.
Andarilhos eram comuns, indo de cidade em cidade procurando conseguir algo para fazer. Outros realizavam serviços esporádicos ou eram vendedores autônomos que viviam na informalidade.
A repressão à vadiagem era ostensiva. Casas suspeitas eram invadidas pela Guarda Nacional e existiam cadastros de moradores em cada bairro. Eles eram considerados uma ameaça à sociedade e à ordem pública, evidentemente uma ameaça à maneira de viver que a burguesia determinava. Os vadios normalmente eram presos ou obrigados ao alistamento militar ou naval.
Inusitado é o caso de um grupo de irlandeses vindos como colonos mas que não foram bem sucedidos e perambulavam pela cidade e dormiam em qualquer lugar. Envolveram-se em várias brigas, badernas e beberragens. Presos diversas vezes já eram conhecidos dos policiais da Guarda Nacional. Aconselhados a levarem uma vida normal, responderam que não precisavam trabalhar para ter um lugar onde morar porque com o clima daqui não sentiam frio, não precisavam comprar lenha nem muita roupa. Em certa ocasião foram levados para trabalhar na lavoura, mas não se interessaram e voltaram para a vagabundagem na cidade. (FRAGA, 1996).
Os mendigos tinham na cidade da Bahia, pontos estratégicos por onde passava o maior número de pessoas e, assim, com possibilidades de maiores ganhos. As portas de igrejas eram os lugares prediletos. Em dias de festas religiosas aglomeravam-se na disputa pela caridade das esmolas daqueles que premeditavam a salvação nos céus. Nos velórios e enterros, almejavam ganhar as quantias que normalmente em testamento o falecido determinava para distribuição aos mendigos.

“Os mendigos buscavam preferencialmente os centros de poder eclesiástico, civil e econômico. As praças e largos centrais, em virtude da concentração de instituições religiosas e do grande afluxo de pessoas, eram os territórios da mendicância por excelência. Os espaços sagrados tornavam mais eloqüente o ato de dar esmolas.”

Após a Independência, os mendigos passaram a ser encarados sob outro prisma e tratados de maneira semelhante aos vadios e vagabundos.
Uma nação que pretendia civilizar-se e igualar-se às nações européias necessitava solucionar o problema da multidão de desvalidos que viviam nas ruas.
O poder público esquivava-se de se responsabilizar por asilos para acolher os mendigos. Os que foram constituídos receberam apoio de ordens religiosas.
Com os asilos os membros da elite poderiam praticar a caridade, ficando tranqüilos em suas consciências e, ao mesmo tempo, não teriam a situação incômoda e desagradável de ver a cidade suja de mendigos pelas ruas.
Ao ingressar num asilo, o mendigo passava por uma faxina de banho, cabelos, barba, roupas. Eram fichados e assim estariam a mercê da polícia se fugissem.
Somente com autorização poderiam ter duas licenças por mês para sair.
Sempre que surgiam oportunidades eles fugiam. Preferiam a vida livre pelas ruas à disciplina rígida do asilo.
A mendicância, tanto quanto a vadiagem, passou a tomar contornos mais drásticos pelas autoridades a partir de 1850 com o fim do tráfico de escravos. O trabalho dos pobres era considerado imprescindível pelas classes dominantes e a intolerância com a ociosidade radicalizou-se.

“Os vadios violavam a ordem patriarcal, segundo a qual todo homem devia ter seu lugar, sua família, seu senhor. A vida itinerante dava ao homem livre pobre um sentimento de autonomia, que era visto como inconveniente às relações sociais e de poder existentes.”

Após a Lei Áurea então, tentou-se o branqueamento da raça, juntamente com a substituição da mão de obra escrava pelos imigrantes europeus. Essa iniciativa obteve sucesso somente nas províncias do sul. Para a Bahia e outros estados do Nordeste não chegaram esses imigrantes.
O 13 de maio causou diversos dias de festas, danças, samba, beberragens e abandono total, por parte dos libertos, das lavouras e usinas de açúcar. Os senhores sentiam-se chocados. As senhoras foram obrigadas a ir para a cozinha. Como a Lei já era esperada, muitos adiantaram-se e anteciparam a distribuição de alforrias, presumindo que os escravos continuassem a trabalhar, sem abandono, por agradecimento à atitude generosa. Outros aguardaram por uma indenização que não houve.
A perseguição contra a vadiagem aumentou por pressão dos senhores que tinham a esperança de retorno dos ex-escravos ao trabalho. Entretanto nada foi possível, os libertos queriam uma vida diferente, longe do que faziam durante a escravidão. Muitos foram enviados para o alistamento militar.

“Uma análise mais profunda desses episódios mostra que , de variadas maneiras, os libertos não apenas repeliram as tentativas senhoriais de continuar a interferir em suas vidas cotidianas, controlar seus movimentos, impor castigos e punições, ditar o ritmo de trabalho, como também se empenharam em assegurar e ampliar antigos direitos ou ganhos recém conquistados no curso das lutas contra a escravidão.”

Apesar das medidas coercitivas, o número de indigentes nas ruas aumentava a cada ano demonstrando que elas não deram os resultados desejados. E nunca iriam dar certo, pois os problemas sociais existentes nunca foram sanados. Esses problemas, as injustiças, desigualdades e diferenças econômicas geravam e continuam a gerar a classe dos excluídos. Classe dos excluídos que perpetuou-se até os nossos dias.
A composição étnica de toda essa turba que habitava o Recôncavo é óbvia: negros e mestiços. Apesar de que também existiam, contudo em bem menor quantidade, alguns europeus. Desgostosos e desapontados em não terem atingido o objetivo de fazerem fortuna no Novo Mundo.
Os mendigos eram idosos, abandonados pelos senhores. Os vadios tinham condições de trabalhar, porém por razões sazonais ou por falta de interesse mesmo viviam na vagabundagem. Poderiam ainda ser jovens, meninos e meninas, sem querer ficar no sistema de se submeter a um senhorio e continuar a viver sob ordens. Ou eram abandonados, órfãos e sem família. Estes ganhavam a rua, onde praticavam arruaças, brincavam, brigavam, badernavam, roubavam e prostituiam-se.
Os meninos vadios, moleques, eram desprezados juntamente com os mendigos e prostitutas. Eram considerados elementos muito perigosos que chegavam até mesmo a enfrentar a polícia.
As residências dos “bem nascidos” tinham muros altos com cacos de vidro no topo e cachorros bravos fazendo a proteção. Pareciam prisões, comentou Gilberto Freire.(FRAGA, 1996).
Esses moleques não respeitavam ninguém. Nem o mais digno e eminente ancião, nem autoridades. Assobiavam, soltavam gracinhas e obscenidades. Jogavam pedras, ofendiam quem passava com palavrões, gritavam, batucavam. Faziam, a carvão, desenhos pornográficos nos muros. Formavam quadrilhas.
A rua para eles era o paraíso, seu domínio onde prezerozamente faziam toda sorte de travessuras e libertinagens.
Dessa forma eles protestavam contra as imposições de uma sociedade escravista que não lhes dava oportunidades por serem libertos.
Quando presos apanhavam com palmatórias, levavam chibatadas e outros castigos corporais humilhantes que os igualavam aos escravos.
Confrontos com a polícia eram constantes por ocasião de festas populares onde eles aproveitavam para escandalizar e apavorar as pessoas.
Em certa ocasião um deles foi preso e seus companheiros avançaram contra a patrulha da polícia para resgatá-lo.(FRAGA, 1996).
Podemos perguntar o por quê de tudo isso. Seria somente como forma de rebelião contra as normas impostas pelos adultos?
Não, claro que não. Isso é razão insuficiente e não determinante para todos os casos.
Temos de observar ou imaginar em nossas mentes a cidade da Bahia no século XIX com 90% da população na miséria. Os pais não tinham condições de sustentá-los e porisso muitos foram largados e abandonados ainda criancinhas.
Após crescerem esses meninos eram entregues a um mestre de ofício para aprenderem um trabalho. Em troca de disciplina rígida e obediência tinham alimentação e roupas.
Porém também os moleques é que tomavam a decisão de abandonar o lar ou o mestre de ofício. Sofriam muito, recebiam castigos corporais diuturnamente. Os órfãos ou vindos da rua eram discriminados.

“Diante do quadro de maus-tratos e exploração, a rua depressa revelava seus encantos. Na rua se podiam experimentar os prazeres da vadiação, a liberdade dos banhos nas fontes e no mar, de vagar pela cidade sem a intransigência e as obrigações impostas por pais e mestres de ofício.”

Diversas instituições foram criadas para acolher órfãos e crianças abandonadas. Muitas da Igreja Católica, ocupando uma lacuna deixada pelo poder público.
Mais tarde somente é que as autoridades vieram a se preocupar com o problema dos meninos de rua (termo usado hoje por nós), com patrulhas para arrebanhá-los e entregá-los a navios da marinha como grumetes (aprendizes de marinheiros) ou a mestres de ofício que conseguissem dominá-los.
Pela carreira militar pairava um horror muito grande. Os castigos corporais eram intensos. Os grumetes sofriam torturas diariamente.
E com os mestres de ofício eram virtualmente tratados como escravos.
Na Escola Agrícola da Bahia foram enviados outros, pois lá havia um asilo para órfãos e meninos pobres.
Entretanto essas medidas não foram suficientes. A cidade da Bahia tornava-se a cada dia mais infestada e invadida por esses moleques peraltas, o que demonstrou que o poder público fracassou.
E isso continua até os nossos dias.
Uma caminhada pelo Centro Histórico de Salvador, o Pelourinho, demonstra isso. Apesar de ONGs e instituições voltadas à assistência ao menor carente como existe no grupo Olodum, esses meninos não têm o que fazer quando saem dessas suas atividades. Não existe perspectiva de emprego rápido para eles. E, assim, vemos hoje a mesma paisagem do passado num espaço modificado: os nossos meninos de rua, antes chamados de meninos vadios, moleques e peraltas.
Visitando Salvador hoje, na primeira década do século XXI, voltamos ao início deste artigo para afirmar, como Milton Santos: a paisagem é a mesma, o que mudou foi o espaço. E poderíamos acrescentar ainda: as personagens também são as mesmas, o que mudaram foram os atores.



Observações

1- Pobreza para entretenimento: diversos autores têm obras que enfocam o assunto em literatura de ficção, poesia e teatro; damos um destaque muito especial a Jorge Amado e relacionamos Manoel Antônio de Almeida, Lima Barreto, Aluísio de Azevedo e Machado de Assis, dentre muitos outros.

2- Pesquisa - Tanto Fraga como Lapa sugerem a quem se interessar por pesquisas sobre o assunto, as seguintes fontes:
Literatura dos viajantes estrangeiros
Registros nos arquivos da Igreja Católica
Instituições Pias e de caridade
Santas Casas de Misericórdia
Crônica policial dos jornais da época
Documentação do Poder Judiciário
Leis das Câmaras Municipais
Cartórios
Creches, orfanatos, asilos e albergues.






Referências


Cunha, Eneida Leal. Cenas e Cenários da Cidade Negra. http://www.letras.puc-rio.br/Catedra/Revista/3 Sem_12.html Acesso em 2/3/2009, 10:23 h.

Fraga Filho, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do Século XIX. São Paulo/Salvador: Hucitec/EDUFBA, 1996.

Fraga Filho, Walter. Encruzilhadas da Liberdade. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.

Lapa, José Roberto do Amaral. Os Excluídos: contribuição a história da pobreza no Brasil (1850-1930). São Paulo: EDUSP, 2008.

Schwartzman, Simon. As causas da Pobreza. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2004.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Revolução Industrial


A Revolução Industrial constitui um importante tema no mundo contemporâneo, conceituada e analisada sob diversos pontos de vista. Segundo Tranter a Revolução não passou do resultado esperado de um longo processo de evolução técnica, iniciando a Pré – História quando o homem começa a fabricar seus próprios instrumentos. A Revolução Industrial seria apenas uma etapa longa e contínua da história do progresso humano. Assim Tranter diz que:

“A Revolução Industrial britânica foi um acontecimento muito modesto que emergiu lentamente do passado como parte de um longo processo evolutivo, e não como um corte abrupto, instantâneo, em relação à experiência tradicional: sua tecnologia assentava – se em pequenas escalas e era comparativamente primitiva; ela necessita de pequeno investimento adicional de capital; sua capacidade para introduzir tecnologia poupadora de mão de obra era circunscrita; e seu ritmo foi gradual e sem coordenação.” (TRANTER, p. 226).

Para outros autores a Revolução Industrial representa uma ruptura, pois gera alterações significativas no ritmo da produção e da estrutura social abrindo espaço para um mundo novo, rompendo com o passado e, portanto, dando origem a uma nova organização da vida humana. Sobre isso Maurice Dobb diz o seguinte:
“(...) Uma era de alterações técnicas que rapidamente aumentava a produtividade do trabalho testemunhou também o aumento natural anormalmente rápido das fileiras do proletariado, juntamente com uma série de acontecimentos que alargaram simultaneamente o terreno do investimento e o mercado dos bens de consumo em grau sem precedente.” (DOBB, p.314)

Segundo alguns historiadores a visão mais adequada seria a de Maurice Dobb que conceitua a Revolução Industrial como um momento de transformações no processo produtivo durante a segunda metade do século XVIII. Essa mudança não se restringiu ao campo das técnicas, mas afetaram a vida humana em todos os aspectos, transformando – na em um dos seus fundamentos: o mundo do trabalho. Essas alterações vão consolidar uma nova forma de organização da sociedade humana conhecida como sistema capitalista.
Aponta – se que a Revolução Industrial teve inicio na segunda metade do século XVIII quando na Inglaterra surgiram as primeiras fábricas, as primeira máquinas, os primeiros operários. Explica – se que esse pioneirismo inglês deu - se devido à disponibilidade dos fatores necessários ao processo de industrialização: capital, mão – de – obra, mercado consumidor e fornecedor de matérias – primas, além de uma estrutura política favorável e por fim o bom desenvolvimento tecnológico. Considera - se que foi o ouro do Brasil o responsável pelo processo de acumulação de capitais na Inglaterra e, consequentemente, pela industrialização. A metrópole portuguesa fez uma aliança com a Inglaterra em 1703, assinando o Tratado de Methuen,pelo qual Portugal abria o mercado do Império Colonial para os tecidos ingleses,em troca ofereceria os vinhos portugueses.Porém,os vinhos de Portugal não cobririam as altas importações de tecidos inglês,por isso a coroa se viu obrigada a pagar as dividas com a Inglaterra com o ouro do Brasil colonial.Esse fato contribuiu para que a acumulação capitalista se completasse na Inglaterra e não em Portugal,que tinha que entregar os recursos coloniais aos ingleses.
É importante ressaltar que nos séculos XVII e XVIII a Inglaterra era um dos impérios coloniais que mais acumulou capital na fase do capitalismo comercial. Por isso pôde iniciar sua industrialização já no século XVIII. A partir de 1770, aproximadamente, até 1850, houve naquele país grande transformação social e produtiva chamada pelos estudiosos de Revolução Industrial. No século XIX, essa revolução chegou a outros países da Europa, à Ásia e à América. Mais recentemente, a todas as partes do planeta.
Com a Revolução Industrial, quase todos os vestígios da sociedade feudal desapareceram e um novo modo de vida surgiu marcado pela produção em massa, pela expansão das cidades e pela divisão da sociedade em burgueses e proletários. A era da fábrica havia chegado.

1. Etapa da Revolução - As mudanças foram profundas na estrutura socioeconômica e política, graças ao aperfeiçoamento na organização da produção e ao avanço tecnológico. A produção passou por diferentes etapas, vejamos:

Produção artesanal: no inicio, a produção foi realizada através do artesanato. O produtor direto (o artesão) era o dono dos instrumentos de produção, desde a matéria-prima até as ferramentas. Tinha a vantagem de possuir pleno controle sobre todas as fases do processo produtivo, bem como da distribuição do produto final.
Este tipo de produção foi dominante no medievo, quando não havia uma divisão social do trabalho plenamente estruturada e a produção não era capitalista. O artesão trabalhava em casa com a ajuda da família. Convém salientar que o mercado era restrito, geralmente localizado.
Produção manufatureira: com a expansão das trocas e o surgimento de um mercado internacional, o trabalho artesanal foi sendo substituído por um trabalho mais dividido, cuja característica era a concentração de numerosos trabalhadores num mesmo local, sob a direção de um mestre. Os trabalhadores eram divididos por tarefas especificas, portanto, já havia uma divisão social do trabalho, o que possibilitou o aumento da produção para atender o mercado.
Esse tipo de produção foi típica da economia mercantilista, portanto,estava ligada e limitada aos interesses do Estado,que ditava as regras da economia.
Produção mecanizada ou Fase da maquinofatura: é o momento da produção mecanizada nas fábricas, ou seja, o uso das máquinas. A oficina foi substituída pela fábrica, e as máquinas, a matéria – prima, o combustível e os produtos passaram a pertencer ao proprietário dos meios de produção. Na fábrica, concentravam – se centenas de trabalhadores assalariados que obedeciam a uma rígida divisão social do trabalho. Na fase da maquinofatura, a burguesia passou a ser proprietária dos meios de produção (matéria – prima e máquinas) e a comprar a força de trabalho humano. O artesão passou a vender seu trabalho para o empresário, surgindo assim o mercado de trabalho. Esse artesão foi transformado em operário, aquele que produz, porém o produto e seu lucro pertencem ao capitalista. As mulheres e as crianças eram contratadas por salários mais baixos e passavam por vários problemas de trabalho, entre eles, os castigos físicos e o assédio sexual.

2. Etapa da Revolução: A Inglaterra foi favorecida pelos seguintes fatores:

Capital: a Inglaterra, em meados do século XVIII, possuía enorme quantidade de capital acumulado através de suas atividades comerciais desenvolvidas ao longo da Idade Moderna. Nesse período, comerciantes ingleses dedicaram – se ao comércio internacional, à exploração colonial, ao tráfico de escravos (abastecimento do mercado escravista colonial brasileiro de mão – de – obra africana) e à pirataria, obtendo assim, vultosos lucros. Essas atividades foram especialmente incentivadas a partir da decretação dos Atos de Navegação (1651) ,quando a Inglaterra passa a ocupar lugar hegemônico nas atividades mercantis internacionais,posição antes desfrutada pela Holanda. Esse capital foi obtido, ainda, através do desenvolvimento da manufaturas, onde um empresário burguês organizava a produção e distribuía a matéria – prima aos artesãos, vendendo o produto final e ficando com os lucros.
Mercados: devido à sua intensa atividade comercial, a Inglaterra dispunha de um grande mercado externo para colocar seus produtos. Além disso, sua expansão colonial lhe permitia consumidores exclusivos na América, Ásia e África, atingidos por sua potente e numerosa esquadra. A supremacia marítima foi fator preponderante para o acúmulo capitalista inglês, que contribuiu na ampliação da visão empresarial inglesa, pois os contatos com os diferentes mercados e sua carência de produtos estimularam a produção industrial, que visava suprir o mercado, criando novos hábitos de compra. Também o mercado interno se expandia, graças ao aumento populacional verificado ao longo do século XVIII.
Tecnologia: o surgimento das primeiras máquinas explica – se por essa necessidade de atingir o mercado em crescimento. Foi o setor têxtil o primeiro a desenvolver máquinas, seguindo dos setores metalúrgicos e de transportes.
· Mão - de - obra: o uso capitalista da terra, o acúmulo de capitais viabilizou os investimentos na área rural, ocorrendo um controle capitalista do campo pela burguesia agrária e nobres que possuíam uma visão capitalista da terra – os quais inclusive já haviam adotado as relações de trabalho assalariado.Esses grupos adotaram a prática capitalista através do enclousures,ou seja,o cercamento dos campos e definição da propriedade privada dos meios de produção.
O objetivo dos enclousures era a produção agrícola voltada para o mercado, cujos critérios eram capitalistas. Portanto, o campo se tornava uma verdadeira empresa capitalista, a qual produzia para atender à industria nascente.Entretanto,os enclousures foram responsáveis pelo acentuado êxodo rural,visto que milhares de trabalhadores migravam para os centros industriais à procura de empregos nas fábricas,os quais se tornavam mão - de - obra disponível à maquinofatura.
Dessa forma, os empresários capitalistas passavam a contar com uma mão – de – obra numerosa e dependente, totalmente desvinculada dos meios de produção, o que lhe favorecia sobremaneira nas novas relações de trabalho que se estabeleciam.
· Matéria – prima: as indústrias que nasciam na Inglaterra podiam contar com as vastas jazidas de ferro e carvão existentes em seu território, além do algodão para a indústria têxtil, originário de suas colônias americanas e da Índia.
· Ampliação dos empréstimos a juros: com a criação do Banco Nacional da Inglaterra ,em 1694 , ficou mais fácil a obtenção de critérios para a aplicação na indústria e no investimento às invenções técnico – científicas da época.
· Crescimento populacional : a população inglesa do século XVIII cresceu vertiginosamente , graças ao controle das epidemias e ao aumento da produção agrícola. Aliado a esse fato, o êxodo rural gerou grande oferta de trabalhadores no mercado de trabalho, surgindo inclusive um exército de reservas de trabalhadores, os quais esperavam a ampliação da fábrica ou a demissão de outros operários para então poderem trabalhar.
· Revolução Gloriosa: essa revolução burguesa transformou o Parlamento britânico num efetivo órgão dirigente do Estado, favorecendo assim as decisões dos empresários ingleses, que dispunham dele como um poder de decisão. A partir daquele momento, o Parlamento passou a ser utilizado para orientar a política econômica do país, instalado em definitivo a ordem burguesa, cuja expressão máxima passou a ser o laissez faire, momento em que se liquidou com o mercantilismo e se adotou o liberalismo econômico.
Todos esses elementos foram decisivos à industrialização inglesa, por isso, eles se constituíram no cenário perfeito para que os cientistas apresentassem as suas invenções que revolucionaram a indústria, pois a Inglaterra foi o local das primeiras invenções de máquinas. Vejamos:
1712 – Invenção da máquina a vapor, por Newcomem, que servia para bombear água da minas de carvão.
1735 – Produção do ferro com carvão – coque, pó Darby.
1767 – Desenvolvimento da máquina de fiar, a Spinning Jenny, por James Hargreaves.
1769 – Aperfeiçoamento da máquina a vapor, por James Watt. A partir desse instante a nova energia passou a ser utilizada nas máquinas de fiar e tecer, por Richard Arkwright.
1785 – Invenção do tear mecânico,por Richard Arkwright.
Nessa época , a industrialização foi quase que uma exclusividade inglesa. O setor industrial mais desenvolvido era o têxtil e a força motriz utilizada era o carvão.
Memorial é ...

Um memorial apresenta relatos de uma trajetória educacional que legitima a frase do ilustre Paulo Freire que diz que “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Assim, eu Cláudia dos Santos Coelho sou responsável por todas as idéias contidas no mesmo.
As reflexões do memorial são processos de produção, ampliação e transformação das idéias e concepções que compartilhadas tornam – se expressão de mudanças para o meio social e cultural vivido.
Nesta perspectiva, o mesmo reafirma as transformações no pensamento e na prática educacional demonstrando um novo olhar que se estabelece perante o sistema de ensino e aprendizagem para com os avanços tecnológicos.
Assim, utilizo minha vivencia para reafirmar as conquistas e carências desta Educação que morosamente caminha em direção a novos avanços.













segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cláudia Coelho



Capitulo II: República e cidadania.


Livro: Os bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados; O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


O inicio da República foi caracterizado por um grande contingente de idéias européias, movimentos liberais, positivista, socialista, anarquista e outros aspectos que legitimam um período de avanços significativos de valores burgueses que despertavam e colocavam em discussão as varias concepções de cidadania que assolavam principalmente o Rio de Janeiro naquela época.
José Murilo de Carvalho, no segundo capítulo do livro “Os bestializados” possibilita uma visão apurada quanto à mentalidade desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro a partir de perspectivas de igualdade em direitos sociais e políticos, porém tais concepções não aconteciam numa sociedade onde o exercício da cidadania, principal forma de expressar e reivindicar seus direitos, limitando apenas as pessoas alfabetizadas o que distinguia a sociedade civil da política. O voto, considerado dever e função do povo era restrito excluindo a maior parte da população constituída por pobres, não alfabetizados e outros que dispostos a tal situação legitimam a disparidade para com as idéias republicanas.
A República foi marcada por muitas promessas, às vezes mal desenvolvidas por radicalistas que chegam ao extremo como forma de defesa aos seus ideais, porém não eram aceitos por todos desencadeando o rompimento destes com seus partidos.
Partindo de interesses de camadas populares que lutavam para que a cidadania abrangesse a todos. O movimento republicano utilizava-se da idéia de povo e pátria para unir a todos como forma de se desvencilhar de futuras complicações. Conquanto, em contra partida a tais idéias, estavam os soldados que insatisfeitos com alguns limites impostos restringiam relações com os cidadãos,porém o autor dispõe das idéias de Raul Pompéia que descartava a possibilidade de militarismo no Brasil partindo do pressuposto da condição financeira e social do Exercito,salientando que os militares estavam ao lado das causas populares e democráticas apresentando-se como cidadãos fardados que representavam à única classe organizada do país.
Carvalho apresenta ainda os operários do Estado, indivíduos fluminenses que viam na República uma oportunidade para redefinição de seu papel na política, assim os positivistas a fim de inserir o proletariado na sociedade por meio de medidas práticas de uma legislação trabalhista avançada tornaram - se idealizadores de bases que visavam à organização política dos operários.
Segundo as idéias de França e Silva apresentadas por Murilo Carvalho a República possibilitaria ao meio social o desenvolvimento do direito dos cidadãos à participação nos negócios públicos como expansão da cidadania.
Contudo, percebe-se que no inicio da República foram dispostos várias concepções de cidadania que fustigavam os ideais de construção e defesa dos interesses em comum, o que tornou possível identificar apenas objetivos distintos que se divergiam devido aos interesses individuais.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A REVOLTA DA VACINA[1]



Cláudia Coelho
Elizabete Saldanha[2]



RESUMO:



Este artigo faz uma análise das diferentes ideologias que pairavam o Rio de Janeiro no inicio do século XX, e como as mesmas influenciaram na implantação de uma República antidemocrática. O novo regime tenta se desvencilhar do passado imperial e criar uma atmosfera moderna, uma nova estrutura física e social baseada em países europeus. Para atingir essa meta elaborou uma tríplice reforma urbana que reestruturava portos, áreas urbanas centrais e a higienização da cidade. Tais medidas desencadearam uma série de determinações arbitrarias entre elas a retirada de classes sociais abastadas, consideradas pelos republicanos impróprias para habitar as áreas centrais da cidade e a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, considerada o estopim para o confronto armado. A Revolta da vacina coloca em evidencia questões sócio – político e cultural da época convidam o leitor a refletir sobre esse período histórico, pois o mesmo pode ser de grande valia para desmistificar determinadas “verdades” que foram construídas ao longo do tempo desconsiderando fatos e acontecimentos relevantes da história do Rio de Janeiro.



Palavras – Chaves: Cidadanias, povo, Oswaldo Cruz, vacina.



Na República foram difundidas várias ideologias que precisam ser analisadas. Mesmo não sendo instituídos, seus ideais de cidadania ajudam a explicar a natureza histórica do período republicano no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, capital Federal no inicio do século XX.
Até hoje não se sabe ao certo o que pretendia os radicais republicanos, de um lado defendiam um povo homogêneo, com uma só voz que enaltecia a soberania, a figura coletiva. Trouxe a idéia de pátria, fraternidade, visão essa que poderia incluir o povo ao movimento republicano, este por sua vez formado por escravocratas, abolicionistas, militares civis, fazendeiros, estudantes e profissionais liberais, pequenos comerciantes, ou seja, representantes da classe dominante.
Os militares desejavam a plenitude dos direitos civis e políticos. Buscavam aproximar-se do povo. Segundo Raul Pompéia, o exercito era a democracia armada, a única classe organizada do país que lutava pelos ideais do povo brasileiro. Os operários também queriam mudar seu papel na política. Estes por sua vez em 1889 reuniram-se com Teixeira Mendes para elaborar a mais avançada lei trabalhista que ampliavam os direitos e permitia instabilidade aos trabalhadores.
Em 1904 Ely de Carvalho já distinguia duas correntes: os anarquistas comunistas e anarquistas individuais. Os comunistas eram pela revolução social, pela abolição da propriedade privada e do Estado, mais admitiam o sindicalismo. Os individuais pregavam a abolição do Estado, defendiam uma forma de organização espontânea e a manutenção da propriedade privada.
Os anarquistas negavam a idéia de pátria, segundo eles esse sentimento maternal inibia manifestações, conflitos em defesa dos direitos civis e políticos. Dentro de um plano político utópico, quase perfeito, ou seja, se colocada em prática tal teoria muitos dos problemas sociais estariam resolvidos, porém a atual relação sócio-político e cultural impedia que tantas propostas relevantes fossem postas em prática. Não sabiam ao certo como o governo iria combater as injustiças sociais e a distribuição de renda em um país dominado por uma política cultural imperialista.
Os positivistas contrapõem essa idéia, pois acreditavam que a cidade era o prolongamento da família. Pátria é família, sentimento, integração, comunidade. Cidadania para os positivistas não incluía os direitos políticos, não aceitavam que os partidos políticos e a própria democracia representativa. Admitiam-se apenas os direitos civis e sociais (CARVALHO, 1987).
Não faltavam concepções de cidadania e partidos políticos dispostos a criar um modelo, uma nova roupagem que vestisse o Brasil, todos inspirados em modelos Europeus, mas o que de fato se viu foi a ampliação de idéias, conceitos, concepções, ideologias e manifestos que sempre escondiam interesses e intenções individuais e obscuras. Mesmo diante de tantos fatos que dificultavam a luz da razão, com tantas ideologias extravagantes e partidos políticos confusos, a população do Rio de Janeiro não se entregou à ilusão de uma República democrática que nunca vinha. Buscava entender aquele período com criticidade até por que era “o povo que sempre pagava a conta”, expressão usada desde o período republicano.
Não era preciso saber ler e escrever para compreender as atrocidades e excesso de poder e injustiças sociais impostas pelo novo regime. Segundo José Murilo de Carvalho:

A Monarquia aboliu a escravidão em 1888. Mas a medida atendeu antes a uma necessidade política de preservar a ordem pública ameaçada pela fuga em massa dos escravos e a uma necessidade econômica de atrair mão-de-obra livre para as regiões cafeeiras. O problema social da escravidão, o problema da incorporação dos ex-escravos à vida nacional e, mais ainda, à própria identidade da nação, não foi resolvido e mal começava a ser enfrentado. [3]


Com a República vieram também as restrições à lei eleitoral de 1881 que reduzia a participação popular, para votar era preciso ser alfabetizado, o que na época abrangia apenas 1% da população. O negro agora liberto não sabia o que fazer com tal liberdade, nem para onde ir. O Brasil imperial, monárquico agora tenta se desvencilhar do passado e construir uma nova identidade, porém a república chegou embriagada pela disputa de poder e equívocos que rondavam o 15 de novembro. Chegou marcada pelo autoritarismo dos militares representados pela figura de Deodoro que proclamou uma República que nunca chegou a ser do povo.
O Estado buscava implantar no Brasil uma nova identidade, baseada em modernidade, inspirada em cidades da Europa e nos ideais haussmanniano. O objetivo era acabar com o cenário colonial, herança dos séculos anteriores, e implantar uma nova era. As ações para remodelar a cidade do Rio de Janeiro será a seguir alvo de análise a fim de compreender uma das maiores revoltas já travadas na capital federal naquela época “A Revolta da Vacina”.
O Rio de Janeiro foi sem dúvida um grande palco na História do Brasil. Intelectuais, políticos, militares e observadores brasileiros e estrangeiros participaram de forma direta ou indireta dos acontecimentos que cercavam a Proclamação da República.
Entre os muitos pensadores da época, cabe aqui ressaltar o conceito de povo revelado por Couty, biólogo francês, segundo ele no Brasil não havia povo político, não havia cidadãos, nem mesmo na capital do país (CARVALHO, 1987). A noção de povo conhecida pelo francês era o da civilização européia, modelo idealizado pelos governantes brasileiros.
Segundo Sevcenko, Couty não se ateve aos fatos históricos de revoltas e manifestações de luta contra as opressões e abuso de poder. A Revolta do Vintém em 1880, a Revolta Armada em 1893 mostram que no Brasil o povo se manifestava com personalidade, criticidade, ações planejadas e intencionais.
No inicio do século XX a população do Rio de Janeiro era um pouco inferior a 1 milhão de habitantes, desses a maioria eram negros remanescentes de escravos, ex - escravos, libertos e seus descendentes que migraram das decadentes fazendas do café em busca de novas oportunidades de vida.Os imigrantes também compõem esse contingente, refugiavam-se no Rio fugindo da guerra e da fome.
Essa gente se aglomerava em casarões de inicio do século XIX, dividiam espaços minúsculos sem nenhuma infra-estrutura em péssimas condições de higiene, localizados em áreas centrais da capital. Os antigos portos já não mais comportavam o intenso fluxo comercial, nem mesmo as áreas urbanas estavam preparadas para a rotatividade de caminhões com mercadorias.
As epidemias assolavam e vitimavam a população: difteria, malaria, tuberculose, lepra, tifo, mas era a varíola que provocava o terror na população. As autoridades criaram um projeto amplo e ambicioso que reestruturava os portos, o saneamento da cidade e a reforma urbana (SEVCENKO, 1998).
O engenheiro Lauro Müller foi designado para a reforma do porto, o medico sanitarista Oswaldo Cruz para o saneamento e o engenheiro urbanista Pereira Passos para a reurbanização.
Cortiços e casas que funcionavam sem licença eram fechados, a falta de higiene também era motivo para entrar na lista de demolições. Era proibido cuspir na rua ou urinar fora dos mictórios, que não se soltasse pipas, cães vadios e vacas leiteiras na rua. Várias outras posturas republicanas foram tomadas, o objetivo não era apenas buscar melhores condições de saúde para a população, mais tornar a população “civilizada” assim como a sociedade européia. Todavia, a que causou maior impacto foi a obrigatoriedade da vacina (CARVALHO,1987).

Urgia dos dirigentes do regime que se instalava inspirado nas idéias tecnocráticas de governo, arrancar o Rio de Janeiro da letargia e inoperância que atribuíam ao execrado regime imperial, julgado incapaz de livrar a cidade de convívios considerados promíscuos e desestabilizados da saúde pública. [4]

Expulsos de suas humildes residências sem receber qualquer tipo de indenização foram considerados impróprios para ocupar áreas nobres da cidade do Rio de Janeiro. Os casebres, cortiços e hábitos considerados primitivos pelos positivistas retratavam, no exterior, um Brasil arcaico e preso aos costumes imperiais. Além disso, essa gente foi responsabilizada por assolar as doenças que se propagavam com veemência pela cidade. A falta de governabilidade impedia que direitos básicos chegassem até as comunidades mais carentes. Faltava saneamento básico, infra-estrutura nos bairros, fornecendo energia, água, educação, transporte, saúde, segurança e lazer. Nos planos ambiciosos do governo não estava incluso o povo. Estes por sua vez ficavam isolados nos morros distantes dos grandes centros, barracos improvisados, surgiam assim às primeiras favelas no Rio de Janeiro, hoje denominadas comunidades. Toda esta falta de estrutura culminou com a falta de higiene e está por sua vez desencadeou o surto de várias doenças.
Oswaldo Cruz alcançou êxito na campanha de febre amarela, organizou brigada de mata mosquitos para combater os focos. Depois se voltou para a peste bubônica, Oswaldo pagava por ratos mortos. Sua estratégia para combater as epidemias era alvo de chacotas e piadas, porém os resultados eram positivos considerando a diminuição de infectados.
Cruz sendo o mentor de diagnósticos precisos e reconhecidos por grandes cientistas tornou-se figura com amplos poderes num período de transtornos à saúde.
A varíola seria seu próximo alvo, já havia a vacina a mais de 100 anos, introduzida por um médico inglês chamado Edward Jenner, porém para imunizar era necessário que um número grande de pessoas fosse vacinados. Então criou um novo regulamento sanitário e tornou a vacina obrigatória.
Os rumores vinham de todos os lados com diferentes tons e juízos de valores. Para alguns a vacina poderia matar mesmo que na sua composição poderia conter sangue de ratos pagos pelo governo na campanha da peste bubônica. A vacina também era uma afronta contra a família. Surgiam boatos que as mulheres teriam que se despir para receber a vacina, isso seria um atentado ao pudor e aos bons costumes, uma invasão ao lar e à família.
Moacir Scliar diz que foi por meio de um novo regulamento sanitário logo apelidado de “Código de Torturas” que Oswaldo Cruz tornou a vacinação obrigatória. Assim várias especulações giraram em torno de tais medidas consideradas arbitrarias ao povo que se opunham a tal medida, um atentado contra a liberdade individual, um “despotismo sanitário”, nas palavras do líder positivista Teixeira Mendes, ele próprio um medico (SCLIAR, 2004).
Os rumores vinham de todos os lados com diferentes tons e juízos de valores. Para alguns a vacina poderia matar ou mesmo na sua composição conter sangue de ratos pagos pelo governo na campanha da peste bubônica. A vacina também era uma afronta contra a família. Surgiam boatos que as mulheres teriam que se despir para ser vacinada, isso seria um atentado ao pudor e aos bons costumes, uma invasão ao lar e à família.
Oswaldo Cruz trouxe grandes contribuições para a ciência e para o Brasil, porém sua atuação como sanitarista responsável em diagnosticar e implantar a vacinação contra a varíola no Rio de Janeiro no inicio do século XX, fracassou, sua conduta autoritária somada a um governo de conduta duvidosa e confusa o impediu de organizar uma campanha voltada à prevenção e conscientização da população.
A historiografia persiste em tornar a vacinação obrigatória o único motivo que levou o povo a se rebelar contra o governo do Rio de Janeiro, porém há novas pesquisas que vêm desmistificar tais contextos e trás uma nova abordagem para os fatos históricos que permeavam os projetos de reurbanização e saneamento no inicio da república. Citando Rudé, Carvalho diz que:

[...] a fusão de uma ideologia inerente às camadas populares com uma ideologia derivada de classes altas, a fusão de valores populares com valores burgueses, gerando a ideologia do protesto. O inimigo não era a vacina em si, mas o governo, em particular as forças de repressão do governo. Ao decretar a obrigatoriedade da vacina pela maneira como o fizera, o governo violava o domínio sagrado da liberdade individual e da honra pessoal. A ação do governo significava tentativa de invasão de espaço até então poupado pela ação pública. A maneira de implementar a obrigatoriedade ameaçava interferir em quase todas as circunstancias da vida. [5]

Essa fusão de ideologias provocou uma das maiores revoltas já vistas. O povo já não aceitava conviver com tantas formas arbitrárias e com a falta de governabilidade que os fazia perecer diante das mazelas. A República chegou marcada por juros altos, inflação, desigualdade social, abuso de poder, concepções equivocadas e voltadas a interesses individuais. A ideologia dos protestos foi gerada e o povo não estava inerente a essa validade, todavia se pós à frente a combater com reações inesperadas, uns pela força outros pela razão. Sobre isso Carvalho narra:

Os bondes começaram a ser atacados, derrubados e queimados. Foram quebrados combustores de gás e cortados os fios da iluminação elétrica da avenida Central. Surgiram as barricadas, primeiro na avenida Passos,depois nas ruas adjacentes.Oradores subiam aos montes de pedras das construções e incitavam ao ataque.[6]

Foram 16 dias de revolta, o povo foi às ruas contestando a idéia de pensadores nacionais e estrangeiros que propagavam a passividade e chegaram até a negar a existência de um povo no Rio de Janeiro, estes por sua vez tiveram a oportunidade de vê que tipo de povo vivia na capital federal no inicio do século XX. Cidadãos que não se entregou à própria sorte, mas rebelou - se de forma violenta e demonstrou que no Rio havia indivíduos politizados e ociosos por mudanças. A dura realidade que os circundavam, motivou a comunidade a lutar por um plano de governo que abrangesse a todos de forma democrática e participativa.
O atestado de vacina era exigido para fazer matricula na escola, emprego publico e privado, viagem, voto, e até mesmo para casar. Houve reação violenta, Lauro Sodré presidiu reunião e fundou a liga contra a vacina obrigatória, ou melhor, contra o governo que foi declarado como corrupto, de fora - da - lei, onde predominou as oligarquias. Estudantes foram a ruas fazendo discursos humorísticos e rimados. Houve conflitos com a policia, 15 pessoas foram presas, 05 deles estudantes. Representantes da classe operária também se manifestaram e foram reprimidos a bala.
Segundo o correio da manhã no dia 12 a Liga se dirigiu ao centro, estavam presentes umas quatro mil pessoas as de todas as classes sociais: comerciantes, operários, moços militares e estudantes. Vaiaram o carro do ministro da guerra e deu tiros contra o carro do comandante da Brigada Policial, o general Piragibe. O palácio estaca fortemente guardado, a multidão regressou ao centro.
O exercito entrou em prontidão. Foram mandadas praças de cavalaria e infantaria para guardar o Catete. No dia 13 domingo o conflito generalizando-se e assumiu caráter mais violento. A Praça Tiradentes virou um campo de guerra. A luta se espalhou pelas ruas avenidas adjacentes, houve ataques as delegacias de polícia e ao próprio quartel da cavalaria na Frei Caneca.
O tiroteio penetrou à noite, a cidade estava escura em conseqüência da quebra de lampiões. Entre os feridos estavam populares e doze praças da policia e pelo menos 1 morto.
Ao amanhecer deparou-se com um cenário devastador por todos os lados destroços de bondes quebrados e incendiados, portas arrancadas, colchões, latas e montes de pedras, mostravam os vestígios de uma multidão enfurecida, que não de abateu. Já de madrugada invadiram a delegacia da rua da saúde. Na Prainha, a barca de Petrópolis foi atacada por mais de duas mil pessoas, que depredou a estação, sem molestar os passageiros.
No dia 15, a festa da república, feriado nacional, a cidade continuava paralisada. Batalhões de Minas e de São Paulo vieram reforçar a segurança. Na saúde, a marinha começou a alocar os rebeldes pelo mar. Um repórter do jornal Comércio teve acesso a Porto Artur e viu homens descalços, de armas ao ombro nu, de garrunchadas e navalhas. No dia 18, a cidade voltava quase totalmente ao normal. Mas de 700 rebelados foram enviados para a Ilha das Cobras, a estava incluso os chefes revoltosos, os morros foram invadidos e todos os suspeitos eram presos.
Terminada a revolta os chefes de policia começaram a fazer os relatórios em especial dos detentos, considerados válidos e vagabundos pela policia. Fontes oficiais indicam que os deportados foram de fato pessoas com alguma passagem pela policia. Porem depoimentos de chefes de policia confessaram e os jornais que depois de contratar a revolta a policia fez uma limpeza na cidade para aprender os que a policia considerava vagabundos. Houve um esforço do governo e da própria policia em torno a Revolta da Vacina uma rebelião de desordeiros, de fora da lei som causa. Segundo carvalho “era necessário deslegitimar a ação rebelde pela desclassificação social é política de seus promotores” (CARVALHO, 1987).
A opinião pública tinha que acreditar nessa versão, o governo e a própria policia precisava conquistar o respeito da sociedade, a melhor forma encontrada foi desqualificar os participantes da revolta os estado tenta sair da revolta como heróis dispostos a matar ou morrer para proteger o Rio de Janeiro de desordeiros.
A Revolta da Vacina não foi gerada de um vazio ideológico, como tentaram os agentes do governo, fazer acreditar a opinião pública. Nasceu a revolta popular contra um plano de governo medíocre e excludente. Foi constituída em meio ao desalento de familiares que viram suas casas sendo demolidas, pelo bota baixo, para dar lugar a praças, canteiro e avenidas. A determinação de lutar contra um governo autoritário surgiu em meio a falta de direitos básicos como trabalho, saúde, educação e habitação. Ao ver suas casas invadidas pela policia e obrigados a serem vacinados os fluminenses se viram acuados, cercados por uma redoma de preconceito e opressão. Comunidades estavam sob a mira de um novo regime extremamente excludente que colocou a baixo tudo que fazia lembrar um Rio de Janeiro de negros, aventureiros e estrangeiros. A população, seus hábitos e tradições culturais foram considerados pelos republicanos primitivos e fora do novo padrão de República desejado pelos governistas, então foram isolados em áreas distantes dos grandes centros, os morros, dando inicio a formação das favelas, hoje denominadas comunidades.
Essa medida somada a falta de governabilidade, mais a obrigatoriedade da vacina fez o trabalhador, o estudante, o comerciante, a mãe de família, pegar em armas e usa-las com violência como já foi abordado.
Recentes pesquisas têm colocado em discussão a espécie de povo que participou da Revolta. Na época os agentes do governo passaram para a opinião pública a descrição de um povo desordeiro, composto por vagabundos, porém hoje já se tem conhecimento que os rebeldes que foram às ruas e se puseram contra a policia e até mesmo contra as forças armadas, era em sua maioria cidadãos de bem, homens e mulheres que se sentiram alheios ao novo regime. Reprimidos e excluídos da República, que foi tão sonhada e idealizada por muitos como a única forma de colocar o Brasil no caminho da justiça, liberdade e igualdade, foram imbuídos de um sentimento patriótico consciente e politizado capaz de desestabilizar todo um estado, que precisou se organizar internamente e pedir ajuda a outros Estados para controlar um conflito que a cada dia ganhava mais adeptos e destaque na imprensa internacional, fama essa que os republicanos precisavam ocultar.
Não era auspicioso para o Brasil, com planos no mercado internacional, ser reconhecido como um país que não conseguia controlar seus conflitos internos, essa notoriedade poderia afetar os investimentos estrangeiros no país em especial, na capital Federal.
A Revolta da Vacina terminou com a vitória da direita, todavia o governo do Rio de Janeiro, a partir daquele momento percebeu que tipo de povo vivia na capital Federal. Eram donos de um perfil militante, já se reconheciam como comunidades, e percebiam o Estado como algo externo aos cidadãos. As campanhas de vacinação ganharam um novo direcionamento, baseado em educação preventiva e campanhas de conscientização.
Hoje a vacinação tem aceitação popular em todo país e já não é tão simples para o governo demolir propriedades privadas, as leis foram ampliadas garantindo maiores direitos ao cidadão.
A imprensa conta com a liberdade de expressão, direito que facilita a manifestação da sociedade contra todo tipo de opressão, seja ela num patamar coletivo ou individual.






Referências:

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário republicano no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.


CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


SCLIAR, Moacir. O Rio de Janeiro em pé de guerra. São Paulo: Revista História Viva, 2004.


SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.


[1] Artigo apresentado à disciplina de História do Brasil, sob orientação da docente Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes.
[2] Alunas de Graduação em História do Departamento de Educação – Campus X / UNEB, Teixeira de Freitas, Bahia.
[3] CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário republicano no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.p.23-24.
[4] SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.p.140.
[5] CARVALHO, José Murilo de Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.p.136.
[6] CARVALHO, José Murilo de Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.p.104.